Eleições argentinas: Um balanço materialista, entre o imperialismo e os BRICS
O que está em jogo vai muito além dos interesses internos e da economia. Milei, o candidato fascista, está sendo apoiada diretamente por grandes capitalistas e por multinacionais, e indiretamente, pela Casa Branca, tudo para tirar a Argentina dos BRICS.
Tendência Militante Bolchevique - Argentina
Nas eleições argentinas, Sergio Massa venceu, mas haverá um segundo turno entre Massa, o peronista, e Javier Milei, o fascista, no dia 19 de novembro. No caso da província de Buenos Aires, que reelegeu governador peronista, Axel Kiciloff, da União pela Pátria (UP), venceu a frente que levou Massa à presidência. Milei, que recebeu mais votos nas eleições Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), não conseguiu superar o teto que obteve nas PASO. Massa venceu em nível nacional na província de Buenos Aires por mais de 17 pontos sobre Milei.
A UP de Sergio Masa marcou 36,69%. Avanza Libertad (AL), de Milei, com 29,98% e Juntos por el Cambio (JxC), de Patricia Bulrrich (herdeira da coligação política que elegeu o ex-presidente Macri e representante da direita do Macriismo) marcou 23, 83%. O governador de Córdoba (Schiaretti) e candidato presidencial de Hacemos (formado por setores do peronismo que não se coligam com o Kirchnerismo e com o Massismo desde 2019, com a candidatura de Alberto Fernández à presidência), obteve 6,86% dos votos nas Eleições Nacionais e ficou em quarto lugar. A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade (FIT-U), com Myriam Bregman, obteve 2,67% dos votos nas eleições presidenciais.
77,6 % do eleitorado votou. Houve uma queda na abstenção em relação às primárias (onde votaram 70,4%) e a queda na abstenção beneficiou a UP continuou a ser relevante. Na província de Buenos Aires houve 1.300.000 eleitores a mais nas eleições de 22 de outubro do que nas PASO, esta foi uma votação que beneficiou principalmente a UP. O voto em branco foi significativamente reduzido de 4,78% na PASO para 1,95%. “Em Buenos Aires, Massa obteve nestas eleições, em números absolutos, 4,2 milhões de votos, 1,4 milhão de votos a mais do que a União por la Patria (Massa e Juan Grabois juntos) havia conseguido em agosto.” (Mais 1,4 milhão de novos votos, a principal contribuição de Buenos Aires para a vitória de Massa).
Mas por que Masa foi surpreendentemente votado?
A votação em Massa surpreendeu positivamente até o próprio peronismo. Essa surpresa aconteceu apesar e contra a crise financeira e a forte inflação que atinge a população trabalhadora. A crise e a inflação são o resultado da pressão do imperialismo, através do FMI, e do ataque especulativo de agentes do capital financeiro.
Tudo isto deveria enfraquecer a candidatura do ministro da Economia do governo peronista e apontava para uma profunda derrota do partido no poder em favor os dois candidatos de extrema-direita (Milei e Bulrrich). Mas o governo de Alberto Fernández e Massa, no Ministério da Economia, tomaram uma série de medidas que representaram concessões emergenciais para a classe trabalhadora a partir de agosto, ou seja, dois meses antes das eleições.
A ação dos BRICS nas eleições a favor de Massa
É importante destacar que o governo e o seu candidato foram apoiados diretamente pelos BRICS, através do Brasil e da China. Lula enviou dezenas de especialistas políticos para apoiar a candidatura peronista. A China fez fortes movimentos financeiros para reduzir os danos e de certa forma proteger a economia argentina de ataques especulativos.
Em Outubro, a Argentina expandiu o swap da China para um montante de 6.500 milhões de dólares, o que lhe permitiu proteger-se de ataques especulativos. O swap é uma troca de moeda entre dois países que funciona como um empréstimo contingente entre bancos centrais. Neste caso, o Banco Central da República Argentina (BCRA) cede pesos ao Banco Popular da China (BPC), e o BPC cede yuans ao BCRA. Isto foi fundamental face aos ataques especulativos e ao estado de reservas escassas do BCRA.
Medidas econômicas populares para eleitores trabalhadores
A ação dos Brics esteve associada às seguintes medidas populares do governo em favor da população trabalhadora, que constitui a maioria dos eleitores:
> Um auxílio emergencial, chamado de Soma Fixa (valor fixo) de 60 mil pesos para trabalhadores que ganham menos de 400 mil pesos e fácil acesso ao programa de empréstimos de até 400.000 pesos com juros de apenas 50% - a taxa de juros é largamente superada pela inflação atual [um real equivale a 70 pesos].
> Reembolso de 21% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre produtos da cesta básica com reembolso limite de 18.800 pesos para trabalhadores, aposentados e pensionistas (até US$ 708 mil de renda), beneficiários do Abono Universal para Crianças (AUH) e monotributistas.
> Eliminação do Imposto de Renda para trabalhadores e aposentados com rendimentos inferiores a 1.770.000 pesos ; Bônus de 37.000 pesos em setembro, outubro e novembro para aposentados com limite de 124.000 pesos; créditos de 400.000 pesos a uma taxa subsidiada; e aumento do reforço alimentar do PAMI mais bônus de 45 mil pesos em três parcelas para os beneficiários do mesmo programa.
> Preços Justos para mais de 50 mil produtos; suspensão dos aumentos nos medicamentos pré-pagos para famílias com rendimentos inferiores a 2 milhões de pesos; congelamento de combustíveis e medicamentos até 1º de novembro.
> Isenção do pagamento dos monotributistas (monotributo é um regime fiscal em que se encontra uma grande massa de trabalhadores) das categorias A, B, C e D durante seis meses; acesso a empréstimos de até 4 milhões de pesos a uma taxa subsidiada; e implementação da monotaxa produtiva para trabalhadores independentes.
> Aumento de 30% e dotação específica para o Cartão Alimentar (valor fixo da cesta básica recebida por determinadas pessoas estendido a 4 milhões de famílias); reforço de 20.000 pesos para os beneficiários do Empower Work e de 25.000 pesos para o pessoal (principalmente trabalhadores domésticos) em residências privadas.
Também foram tomadas medidas que beneficiam os pequenos produtores, como a eliminação de impostos através de retenções nas economias regionais (Economias regionais significam atividade agrícola e agroindustrial fora da área central, ou seja, fora das províncias de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé).
O que está em jogo e o que se espera no segundo turno?
O que está em jogo vai muito além dos interesses internos e da economia. Milei está sendo apoiado diretamente por grandes capitalistas como Elon Musk, interessados no lítio, e por multinacionais; e indiretamente, pela Casa Branca, tudo para tirar a Argentina dos BRICS. A destruição do país seria um detalhe “para pensar depois” (como Afeganistão, Iraque e Líbia). Como a lógica pela qual os Estados Unidos sacrificaram a Europa na guerra da Ucrânia: “Foda-se a União Europeia!” (palavras de Victoria Nuland, subsecretária para assuntos políticos da União Europeia). Se os EUA não mostram qualquer preocupação com as consequências futuras das suas políticas nem mesmo com os seus principais parceiros imperialistas, muito menos com a semi-colónia argentina. Por isso, se Milei implementasse a dolarização e rompesse as relações do país com os principais parceiros comerciais da Argentina (Brasil e China), arrastando o país da crise econômica para o caos social, esse seria um problema desprezível para o imperialismo cujos interesses são os de preservação de seu controle sobre a Argentina.
Uma vitória imediata de Milei alimentaria o golpe no Brasil e seria um impulso à extrema direita e ao imperialismo em todo o mundo, além de abortar a entrada da Argentina no BRICS, prevista para janeiro de 2024. Assim que os resultados eleitorais foram divulgados, Patrícia Bulrrich (Juntos por el Cambio) anunciou que não apoiará Massa no segundo turno. Se todos os votos de Bulrrich fossem para Milei e se todos os votos dos dois candidatos menos votados (Schiaretty/ Hacemos e Bregman/FIT-U) fossem para Massa, sem usar dialética, mas apenas lógica mecânica e a matemática baseada nos resultados estáticos do primeiro turno, Milei venceria o segundo turno com 54% contra 46% de Massa.
Patricia Bulrrich ficou em terceiro e não entra no segundo turno. A interpretação mecânica levaria a pensar que o voto deste espaço político iria para Milei. Mas, Massa tenta atrair o setor da coalizão Bulrrich formado pelo voto contribuído pelo histórico arquirrival do peronismo, a União Cívica Radical, UCR (que é fundamental na sentido que lhe confere uma estrutura territorial a nível nacional para Juntos por el Cambio) se voltar significativamente para a UP. Massa também tenta fazer com que a percentagem (agora reduzida) dos que se abstiveram ou votaram em branco face à polarização com Milei volte o seu voto na UP e também busca os votos peronistas de Hacemos, que com a candidatura de Schiaretti foi a quarta força na eleição, além também dos votos da Fit-Unidad.
Por que não fizemos campanha no primeiro turno pela FIT-U?
A votação da FIT, apesar da unidade de mais partidos de esquerda a partir de 2019, razão pela qual se chama FIT-U, tem estado estagnada nos últimos anos. Isto deve-se ao facto de que, devido às suas concepções ideológicas liberais altamente influenciadas pela opinião pública mediática fabricada no Ocidente, a FIT atua como uma força política auxiliar do imperialismo na actual guerra fria entre o imperialismo e os BRICS, com frações da Frente apoiando e reivindicando armas para a Ucrânia/OTAN/mercenários nazistas.
Nós, de nossa parte, assumimosincondicionalmente uma posição anti-imperialista consequente em todos os conflitos, lutas e disputas políticas globais. Além disso, Milei é um candidato fascista, contra a qual a esquerda argentina também é inconsistente, assim como o é contra o imperialismo. Tal como aprendemos com o revolucionário russo Leon Trotsky, contra o fascismo, fazemos frente única com o diabo e a sua avó. Neste momento, Massa representa o diabo, o liberalismo que, devido à ofensiva do imperialismo contra ele, para sabotar a entrada da Argentina nos BRICS, é empurrado para a disputa política contra a candidatura preferencial do imperialismo, Milei.
Por esta razão, apelamos a todos os comunistas na Argentina que lutem para derrotar o fascismo nas eleições, apesar de o instrumento para isso ser a candidatura de Massa.