Português (Brasil)

PARANÁ: laboratório da devastação

PARANÁ: laboratório da devastação

Trabalhadores, estudantes e sindicalistas enfrentam governo de Ratinho Jr. e o avanço da privatização da escola pública

Compartilhe este conteúdo:

Reproduzimos abaixo um artigo publicado pelo site do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes acerca da luta que se desenvolve no Paraná contra a privatização da gestãoo das escolas estaduais pelo governo fascitóide de Ratinho Jr. (PSD).

Por Jennifer Dias

No dia 03 de junho de 2024, os paranaenses novamente foram testemunhas da truculência da Ratazana e seus capangas. O projeto de lei 345/2024, gestado desde 2022, tramita em regime de urgência na ALEP e preconiza o programa “Parceiro da Escola”, que privatizará a gestão das escolas estaduais.

Dentre as afrontas, prevê-se a contratação de PJ especializado em gestão educacional para “elevar a eficiência da escola”, a desvinculação das dimensões administrativas e financeiras da gestão pedagógica e o ataque à democracia interna, na previsão de que a própria SEED poderá nomear os diretores de escola. Em nome da elevação dos “índices de qualidade”, o programa produz o fracasso escolar como narrativa para minar os resquícios de uma democracia popular na educação. Em tempo, o art. 3º do PL prevê que o programa poderá ser instituído em todas as escolas da rede estadual. 

Se a educação pública do Paraná respirava por aparelhos, esse foi o golpe fatal.

A fórmula assentada na política de resultados é a repetição do que ocorreu nos EUA no final do século XX. Por lá, as charters schools disseminaram-se após a expansão da lógica militarizada na educação e foram sustentadas pelas avaliações em larga escala. O modelo híbrido de gestão, apesar de não realizar a cobrança de mensalidades dos estudantes, possui o gerenciamento privado na contratação/demissão da equipe pedagógica e autonomia para definir estatutos e regulamentos na instituição. Devido o caráter decisivo dos rankings das avaliações padronizadas (nos salários dos professores, nos investimentos nas escolas), ao longo do tempo, os governos criaram regras cada vez mais competitivas, aumentando a severidade das punições às escolas que não atingissem os padrões. Essa dinâmica faz com que milhares de estudantes, que potencialmente rebaixam a média das pontuações, sejam expurgados das escolas.

Não estamos, portanto, diante de um cenário inovador (primeiro como tragédia, depois como farsa…).

O que muito se tem destacado é que o conjunto das políticas educacionais engendradas pela extrema-direita são inconstitucionais. E de fato são. Mas quero chamar a atenção a uma reflexão que parece sempre ficar para depois: a Constituição de 1988, apesar de um instrumento de luta elementar ao povo, não é um documento “neutro”, tampouco é o marco zero de uma sociedade cindida. 

Precisamos superar esse presentismo insuportável. Porque a atual democracia que experienciamos surgiu da costela da ditadura militar. 

Florestan Fernandes e Luiz Carlos Prestes nos alertavam que a saída dos militares do poder foi estratégica – não por boa vontade deles, mas sim pelas limitações históricas dos períodos ditatoriais. Para que a transição fosse segura, ela foi realizada de forma lenta e gradual. Os militares foram perdoados pelos seus “excessos” e encapsularam-se como tutores da apregoada “segurança nacional” (lê-se: quarto poder); já a burguesia (ops, a “sociedade civil”) foi proclamada como paladina da democracia. O combo perfeito para manter as velhas estruturas políticas.

A “nova” República desenvolveu-se, ao mesmo tempo, pelas pressões dos considerados “perigos internos” e pelo temor das classes dominantes em ampliar sua democracia tão exclusivista. Para tanto, elevou-se a capacidade de autodefesa do bloco dominante, com uma aparente flexibilidade e eficácia que, segundo Florestan, correspondeu também a maior rigidez que sufocou o caráter aberto da “democracia liberal ou parlamentar”. 

Confundia-se a cooptação das pautas dos de baixo, com a democracia que tanto ansiávamos.

A reedição da contrarrevolução permanente gerou um gigantismo do Estado e a consolidação das multinacionais e do capitalismo monopolista, através da iniciativa privada que se transferiu “por inteiro para o Estado, como se não houvesse uma linha divisória entre o Estado constitucional, parlamentar e representativo e os interesses dominantes das classes privilegiadas do centro”². 

A Constituição de 1988 deu novos ares ao Brasil – afinal, democracia restrita é melhor que democracia nenhuma! –, mas não foi fruto da cicatrização das memórias mais traumáticas ao povo brasileiro. A “nova” República aninhou o poder militar e a linha dura pró-imperialismo ianque. 

A Carta Magna foi a síntese da dissimulação da burguesia na transição ao período democrático e a cooptação de elementos progressistas, com a consagração do prestígio dos generais fascistas; e se assentou pelos mesmos motivos que consolidaram o poder burguês via ditadura: a cimentação das condições objetivas de revoluções dentro e contra a ordem. 

É preciso reconhecer de onde viemos, para saber para onde vamos. 

A atual Constituição e todas as leis que a reforçam já nos garantiram certo poder de barganha em um contexto de flexibilidade e distensão do poder burguês. Contudo, não podemos nos esquecer a essência autocrática do Estado que temos.

O golpe de 2016 foi mais um trauma que já deveria ter nos colocado em alerta. Naquele momento, rasgou-se a Constituição, fecharam-se as frestas da democracia. 

Tic-tac. 

Em um cenário de crise estrutural, é questão de tempo: 1964 não é passado enterrado. As classes dominantes precisam de uma nova ditadura abertamente policial-fascista e lutam com todos os seus mecanismos para que isso seja possível. Nessa lógica devastadora, viveremos a barbárie, se tivermos sorte.

Desde 2016, os dominadores limparam da mesa de negociações até as míseras migalhas. O cenário de devastação tornou-se a regra; a democracia é a aparência, o fascismo é a essência.

O programa “Parceiros da Escola” é a cereja do bolo do programa pseudoliberal, protofascista e neoconservador orquestrado pelo atual governo do Paraná, em aliança com os tubarões da educação que já administram as políticas educacionais há muito tempo e sustentam a figura do governador. Não à toa, novamente se tratorou a discussão das bases. 

O direito ao contraditório tornou-se dispensável. Escancara-se a ojeriza à democracia por parte das classes dominantes. Rompe-se nos estados federativos o ovo da serpente.

O que temos vivenciado não é  mais uma política educacional que poderá/deverá ser revertida nas eleições de 2026, caso consigamos um governo inclinado às pautas do povo. Aliado à contrarreforma do ensino médio, à militarização da educação – grande vitória das Forças Armadas e seus auxiliares –, o programa “Parceiro da Escola” é a consagração da refuncionalização da educação pública, que visa adequar a formação ideológica dos filhos/as/es da classe trabalhadora ao atual estágio da guerra híbrida

Vivemos em uma sociedade que odeia o jovem pobre. Aquele que não for educado pelos punhos de ferro do mercado e das Forças Armadas dentro da escola, é expurgado para fora dela, e é educado pelas balas e chumbos que circulam livremente e são justificadas pela suposta “guerra às drogas”. 

Que sejamos obstinados para defender a frágil democracia, mas tenhamos a abnegação de ampliá-la. 

Nada é por acaso. Não há nada de novo no cerco em que nos encontramos.

O pragmatismo proveniente de diversas correntes políticas pseudo-progressistas por vezes inibem leituras mais abrangentes, que nos permitam mediar os sujeitos políticos envolvidos na catástrofe na qual nos encontramos. 

Nosso inimigo não é só a Ratazana. 

Esse mesmo pragmatismo nos relegou a um labirinto sem fim, cujo final feliz parece cada vez mais utópico. Chegamos a tal ponto da devastação que não conseguimos propor algo novo, tampouco barrar o retrocesso. Disse Fredric Jameson que “parece que hoje é mais fácil imaginar a deterioração total da Terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio; e talvez isso possa ser atribuído à debilidade de nossa imaginação”². Nada é mais exato.

István Mészáros já nos alertava que não há neutralidade axiológica³. A Constituição de 1988 não é um “marco zero”, que estipula as regras do jogo para nós e eles. Não conseguiremos refutar o Projeto “Parceiro da Escola” e o pacotaço de contrarreformas apenas pela lógica formal da  “inconstitucionalidade”, pois este é um modo de raciocínio que se pauta pelo suposto desvio do adversário em relação a uma regra estipulada (a democracia como valor universal, a Constituição como documento neutro, etc.). 

A Ratazana em breve voltará para o esgoto, ou será financiada para seguir roendo as fissuras que emerge o fascismo. São os seus chefes que ditam as cartas do jogo, e são eles que devem ser denunciados e combatidos.

Se a compreensão de democracia que temos não é adjetivada, recaímos em fraseologias e desconsideramos que as políticas educacionais implementadas num contexto de conformação das forças fascistas, são provenientes de um conjunto de contrarreformas que buscam adaptar a escola aos objetivos econômicos, políticos e ideológicos da burguesia mundial voltados à periferia do capitalismo nesta nova etapa do capitalismo monopolista.

Vivemos em uma democracia restrita, nosso Estado é autocrático, a burguesia não é iluminista: é contrarrevolucionária e protofascista.

Hoje, contamos com cerca de 20 mil estudantes e professores nas ruas em defesa da educação pública no Paraná. É somente o povo na rua, a partir de uma agenda de lutas permanente, que poderá recalibrar a relação de forças e reconstruir o poder de barganha frente os poderosos. Precisamos canalizar a revolta! Essa é a tática.

Só não nos esqueçamos que não há momento ideal para discutir a estratégia. O momento é agora! Precisamos atingir o núcleo fascista vital à sobrevivência do capitalismo dependente que ataca de forma devastadora todas as esferas sociais. 

O Paraná é um dos laboratórios da devastação. Este governo tem levado ao fim e ao fundo o projeto contrarrevolucionário que se pretende consolidar em todo o país. 

E sabemos que ele não é o único.

É só questão de tempo. 

Roni Miranda, secretário da educação no Paraná, disse em entrevista que a greve é ilegal. 

Ilegal é o Estado.

Trata-se da nossa sobrevivência. Tic-tac.

Que os sindicatos e partidos tomem para si a tarefa urgente de nosso tempo!

Que o povo tenha a abnegação para seguir em luta mesmo em tempos tão difíceis!

Que defender a Constituição seja só o primeiro passo. Que forjemos e lutemos pela democracia de fato!

Que sejamos a mola propulsora da transformação!

Por uma agenda de lutas permanente!

Educação não é mercadoria! Contra o programa “Parceiro da Escola”!

Contra a militarização da educação!

Que sejamos capazes de barrar a barbárie!

Greve geral já!

Referências

¹ FERNANDES, F. Apontamentos sobre a “Teoria do autoritarismo”. São Paulo: Expressão Popular. 2019, p. 65.

²  MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2014.

³ JAMESON, F. Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo. Ática, 1996. p. 10-11.

Compartilhe este conteúdo:

 

 secretaria@partidocomunista.org
Junte-se a nós!