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Milei: privatização e seus encantos

Milei: privatização e seus encantos

Uma das "grandes conquistas" econômicas do presidente argentino Javier Milei é ter alcançado um superávit primário na balança de pagamentos, um sucesso não visto há anos. Esse superávit (o Estado ganha mais do que gasta) foi alcançado por meio de cortes profundos nos serviços públicos e a venda de ativos estatais ao capital transnacional, especialmente no lucrativo setor de commodities. Esse marco econômico, que alguns chamariam simplesmente de ajuste contábil, teve um custo social devastador.

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Javier Milei durante um comício de campanha em Buenos Aires

O fascista Milei corta gastos para o povo, favorecendo os mais ricos. (Foto:Tomas Cuesta / Getty)

Eduardo  Luque

 

Uma das "grandes conquistas" econômicas do presidente argentino Javier Milei é ter alcançado um superávit primário na balança de pagamentos, um sucesso não visto há anos. Esse superávit (o Estado ganha mais do que gasta) foi alcançado por meio de uma série de medidas "brilhantes", como cortes profundos nos serviços públicos e a venda de ativos estatais ao capital transnacional, especialmente no lucrativo setor de commodities. Claro, esse marco econômico, que alguns chamariam simplesmente de ajuste contábil, teve uma pequena desvantagem: um custo social devastador. Mas quem percebe esses detalhes?

Para conseguir o "milagre" do superávit, Milei não hesitou em demitir milhares de funcionários públicos e cortar ajudas sociais fundamentais, como cantinas públicas, saúde, educação e, claro, pensões. Um plano diretor que contribuiu para expandir a pobreza e a miséria em amplos setores da sociedade. O resultado? Modestos 57% da população argentina, cerca de 27 milhões de pessoas, vivem na pobreza e 16,5% na pobreza extrema. E se falamos de crianças, a situação é "ainda melhor": 16,2% são indigentes, segundo a Universidade Católica Argentina. Uma grande conquista.

Um neoliberal "com princípios"

Javier Milei, um fervoroso defensor do neoliberalismo, ganhou a reputação de ser "implacável com os fracos e dócil com os poderosos". Ele não hesita em espancar os aposentados quando eles se manifestam, mas é covarde e servil com os fortes. Sua atitude submissa, quase canina, quando se encontra com as grandes potências econômicas, é um de seus traços mais evidentes. Não é de admirar que ele seja tão complacente com os interesses dos grandes grupos de poder. Foram eles que apoiaram sua ascensão política meteórica. Um exemplo perfeito dessa "independência" é a negociação com Elon Musk para a venda das reservas de lítio da Argentina, um recurso vital para a produção de baterias para os carros elétricos da Tesla. Essa operação, muito benéfica para Musk, destaca a devoção de Milei ao capital transnacional, independentemente de ele ter ignorado ofertas mais suculentas de outros grupos econômicos. Em suma, os interesses nacionais são uma questão secundária.

Seguindo os passos de Margaret Thatcher, que afirmou que "a economia é o meio, o objetivo é mudar o coração e a alma", Milei também acredita firmemente que "a sociedade não existe", apenas indivíduos e famílias. Uma visão compartilhada por teóricos da esquerda pós-moderna como Ernesto Laclau, que falou da "impossibilidade da sociedade". Esta brilhante perspectiva reforça sua abordagem, visa desintegrar a solidariedade social e promover o individualismo extremo. Afinal, por que queremos uma sociedade unida quando podemos realizar o sonho neoliberal de colocar uns contra os outros? No pensamento de Milei, as vozes do Leviatã de Thomas Hoobes ressoam. As grandes potências usam o governo de Milei como um valioso experimento sociológico do qual sem dúvida tirarão lições valiosas para o futuro.

O herói da nova direita

Milei não é conhecido apenas por suas políticas econômicas, mas também por sua "personalidade encantadora". Embora alguns atribuam a ele traços de múltiplas patologias, não devemos nos confundir, por trás da fachada histriônica mostrada pelo personagem se esconde um papel fundamental no surgimento de uma nova direita que, embora eleita democraticamente, mostra um desprezo "admirável" pelo Estado (a personificação do mal segundo eles) e pelos princípios básicos da democracia. O presidente argentino está ciente de que a grande oligarquia transnacional que ele serve está apostando cada vez menos em modelos "formalmente democráticos". O renascimento do fascismo e do radicalismo da direita faz parte da "nova realidade".

Milei é um homem do sistema, ele não é um "outsider" Sua ascensão ao poder não teria sido possível sem a robusta mídia e o apoio financeiro de grandes corporações. Sua agenda política, que ao contrário de outras ele não tentou disfarçar, se concentra em desmantelar o Estado, embora tenha sido o Estado que lhe permitiu chegar ao poder. Ironias da vida.

Milei conseguiu explorar a emotividade nas redes sociais como poucos, tornando-se um representante proeminente dos "trolls". Inspirada em filósofos como Spinoza e Freud, Milei promove o confronto social e o desespero, usando a angústia como ferramenta política para gerar passividade e desespero. Seu objetivo não é outro senão impor uma mutação cultural que desintegra os laços sociais e promove um "cada um por si" que deixa cada indivíduo à mercê do mercado. Em suma, o Estado é o "inimigo do indivíduo e da liberdade", ou pelo menos é o que ele diz.

O Cupom de Misericórdia para o Sistema Previdenciário

Um dos primeiros objetivos de Milei quando assumiu a presidência foi, obviamente, reformar o sistema público de pensões. Até 2023, os fundos de pensão públicos na Argentina (Fundo Garantidor de Sustentabilidade ou FGS) eram administrados por uma agência chamada ANSES. Mas Milei, com sua visão de futuro, decidiu que era melhor desmantelar o FGS e transferir esses fundos para um sistema de capitalização individual, semelhante ao que existia na Argentina antes da crise de 2001. Porque, naturalmente, o que poderia correr mal confiando a reforma de milhões de pessoas às flutuações do mercado financeiro?

Este modelo implica que os fundos de pensões serão geridos por entidades privadas, transferindo todo o risco dos mercados diretamente para os futuros reformados. Se os bancos falirem, você perde, se os fundos de pensão evaporarem devido a um mau investimento, você perde. Se tudo correr bem, mas o custo de gestão for muito alto (caso chileno) pode ser que... também perde.

O dogma neoliberal de Milei sustenta que este é um método mais "eficiente" para cada indivíduo controlar suas economias, mesmo que estejam sujeitas a flutuações caprichosas do mercado. É claro que, ao desmantelar o FGS, o Estado perderia uma ferramenta crucial para garantir pensões em tempos de crise econômica. Mas quem precisa de segurança em tempos de crise?

Seguindo essa linha, Milei vetou uma lei do Senado que propunha um aumento de 8,1% nas pensões, com o objetivo de compensar o "esquecimento presidencial" de ajustar as pensões em março, conforme determina a lei. Seu ministro da Economia justificou a decisão falando sobre a necessidade de "rigor orçamentário" para manter o déficit fiscal em zero. De acordo com seus cálculos, manter os aumentos "perpetuamente" custaria 370.000 milhões de dólares, valor que Milei considera insustentável, embora ninguém saiba muito bem de onde ele o tirou, já que os aposentados não são imortais ou perpétuos. Pequenos detalhes sem importância que o personagem não esclareceu.

Reduzir, cortar e privatizar

A eliminação da moratória previdenciária, que permitia que pessoas com anos de contribuições incompletas tivessem acesso a uma aposentadoria, foi uma das primeiras e "brilhantes" medidas de Milei. Essa mudança afetou especialmente as mulheres e os trabalhadores informais, que geralmente têm históricos de trabalho descontínuos e não conseguem completar os anos de contribuições exigidos. Além disso, Milei propôs o "Benefício de Aposentadoria Proporcional", uma pensão mínima inferior à aposentadoria mínima, pois por que não reduzir ainda mais o poder aquisitivo dos aposentados? E para tornar o sacrifício mais equitativo, ele aboliu o financiamento para cozinhas comunitárias.

Outra medida importante da administração de Milei foi a transferência de uma parte significativa das reservas de ouro da Argentina para bancos estrangeiros. Embora os detalhes sobre as quantidades exatas e os destinos permaneçam convenientemente secretos, essa decisão levantou enormes preocupações sobre a possível perda de controle sobre esses recursos e o risco de apreensão. Mas quem precisa de controle sobre seus próprios recursos? O "mercado" como o Deus bíblico proverá!!

Caputo: o mestre dos fios

Junto com Milei, Luis Caputo é outra figura-chave na política econômica argentina. Embora publicamente insultado pelo próprio Milei, que na campanha eleitoral chegou a dizer dele que era incompetente, quem se lembra das bobagens que costumam ser ditas nas campanhas eleitorais? Milei levou algumas horas para nomeá-lo como o novo Ministro da Economia. Conhecido por sua carreira "brilhante" no setor privado, ele é sem dúvida uma ótima escolha! Caputo foi ministro da Fazenda e depois da Fazenda durante o governo de Mauricio Macri, antes de ocupar cargos de influência na atual gestão. Sua experiência em favor das grandes oligarquias é "inquestionável".

Durante seu mandato anterior, Caputo foi o arquiteto de decisões que aumentaram significativamente a dívida externa da Argentina. Possuía grandes quantidades de dívida emitidas em dólares, aumentando a vulnerabilidade às flutuações do mercado internacional. Sua forma de lidar com o acordo com o FMI foi especialmente "excelente"; Este acordo representou o maior empréstimo da história da organização, embora também tenha imposto condições econômicas onerosas que geraram forte agitação social e política. Para Caputo, era apenas uma questão de entender mal as magnitudes macroeconômicas. Detalhes sem importância!

A crítica mais severa a esse ministro girou em torno de seus vínculos com fundos de investimento offshore, revelados pelos Paradise Papers. Antes de assumir um cargo público, Caputo esteve envolvido na gestão de grandes fundos com dinheiro negro. Ele foi acusado de facilitar a evasão fiscal para os mais ricos. Além disso, durante seu mandato como ministro, Caputo foi criticado por não declarar adequadamente sua participação nesses fundos e distribuir comissões suculentas. Esses escândalos forçaram o personagem a renunciar em meio a uma crise financeira sem precedentes. Suas decisões exacerbaram a incerteza nos mercados e enfraqueceram ainda mais a precária economia argentina. Ele é, sem dúvida, um mestre no comércio de desviar o dinheiro de outras pessoas.

A nova dupla Milei/Caputo não parece se importar com a história. O presidente argentino precisava de um cara tão cruel quanto ele. Caputo é sua alma gêmea, por enquanto, porque: quem não tem algumas contas offshore hoje em dia?

Em suma

As políticas de Javier Milei são um exemplo brilhante de como priorizar a redução do déficit fiscal e alinhar os interesses do capital transnacional, tudo em detrimento do bem-estar social. Embora tenha alcançado esse precioso superávit primário na balança de pagamentos, o custo social foi, por assim dizer, colossal. O ataque ao sistema previdenciário, desmantelando o FGS e empurrando milhões de pessoas para a incerteza alimentar, é apenas uma amostra de sua "genialidade".

E se somarmos a isso, que ele conseguiu fazer com que mais de 57% da população vivesse na pobreza e 16,5% na extrema pobreza, podemos dizer que Milei está transformando a Argentina em um experimento social sem precedentes. Suas políticas, longe de estabilizar a economia, estão gerando crescente descontentamento social. A grande questão que permanece é se a Argentina será capaz de suportar as tensões e o caos que essas políticas estão causando, ou se Milei alcançará seu objetivo final: uma crise tão profunda que transforma o país... ou destruí-lo completamente.

 

Fonte: https://elporteno.cl/milei-la-privatizacion-y-sus-encantos/#more-34013

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