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Nova Indústria Brasil: Um expediente ocasional

Nova Indústria Brasil: Um expediente ocasional

O governo Lula-Alckmim propõe neoindustrializar o Brasil sem revogar a reforma trabalhista, a reforma da previdência, sem reduzir a jornada oficial de trabalho e com um salário mínimo muito abaixo do equivalente ao criado por Getúlio Vargas.

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KNIGA - economia política - Ítalo de Aquino

Dia 22 de janeiro de 2024, uma segunda feira, o presidente Lula lançou seu programa de estímulo à indústria. Estava ladeado pelo vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Geraldo Alckmin (que está mais para um gestor de granja do que para um capitão da indústria, pois como governador assistiu passivo ao processo de desindustrialização do Estado de São Paulo). Batizado de Nova Indústria Brasil – forte, transformadora e sustentável: Plano de Ação para a neoindustrialização 2024-2026 resume programas já existentes e recria alguns outros com moderna roupagem, novas terminologias e classificações. Inclusive na adoção de uma nova palavra – neoindustrialização – ao invés de reindustrialização, pois o processo não tenta retomar os passos perdidos, mas está alicerçado nos eixos de sustentabilidade, transição energética, inclusão regional e diversificação. Ou seja, se no passado era a construção das indústrias de base como aço e siderurgia hoje o processo está mais associado a novas tecnologias e inovações. Em termos financeiro pretende investir R$ 300 bilhões até 2026. É muito pouco. Comparativamente é menos da metade do que se pagou de  juros do setor público consolidado em 2023 (R$718,3 bilhões cf. Estatísticas Fiscais BCB 07.02.2024). As propostas do plano estão sistematizadas em 106 infográficos (https://www.gov.br/mdic/pt-br/composicao/se/cndi/plano-de-acao/nova-industria-brasil-plano-de-acao.pdf).

"Primeiro, que o fortalecimento da indústria brasileira é chave para o desenvolvimento sustentável do Brasil, dos pontos de vista social, econômico e ambiental. Segundo, que o Brasil passou a enfrentar um processo de desindustrialização precoce e acelerado, a partir dos anos 1980, com primarização da estrutura produtiva e encurtamento e fragilização dos elos das cadeias. Terceiro, que as exportações do país estão concentradas em produtos de baixa complexidade tecnológica, limitando os ganhos de comércio do Brasil." (Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026).

 

A Nova Indústria Brasil (NIB) se funda em seis missões, que buscam trazer benefícios para toda a sociedade brasileira:

Missão 1 - Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética;

Missão 2 - Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde;

Missão 3 - Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades;

Missão 4 - Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade;

Missão 5 - Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras e

Missão 6 - Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais

São princípios da Nova Indústria Brasil: I - inclusão socioeconômica; II- equidade, em particular de gênero, cor e etnia; III- promoção do trabalho decente e melhoria da renda; IV- desenvolvimento produtivo e tecnológico e inovação; V- incremento da produtividade e da competitividade; VI- redução das desigualdades, incluindo as regionais; VII- sustentabilidade; VIII- inserção internacional qualificada.

Os principais instrumentos dessa política industrial serão: empréstimos, subvenções, créditos tributários, participação acionária, requisitos de conteúdo local, comércio exterior, margem de preferência, transferência de tecnologia, propriedade intelectual, infraestrutura da qualidade, regulação, encomendas tecnológicas, compras governamentais, investimento público. Apresentados de modo genérico esses instrumentos possuem problemas, pois não exclui os empréstimos às multinacionais, que repatriam lucros; qual será a taxa de juro; as subvenções e créditos tributários poderão criar déficit fiscal;  ao invés de participação acionária o Estado deveria fundar empresas; a transferência de tecnologia e propriedade intelectual deveriam ser de posse do Estado e das universidades públicas e o investimento só poderia ser público mediante uma contrapartida de criação e manutenção do emprego de trabalhadores.

Antecipando e contextualizando a proposta apresentada neste início de ano Lula e Alckmin, publicaram no jornal O Estado de S. Paulo dia 25 de maio de 2023 um artigo intitulado “Neoindustrialização para o Brasil que queremos” nele afirmaram que: “Precisamos de uma política industrial inteligente, para o novo momento da globalização – em que mesmo países mais liberais investem em conteúdo nacional: seja para a construção de cadeias produtivas mais resilientes a choques, como o que provocou escassez de insumos na pandemia; seja para dar conta do imperativo da mudança climática, a corrida espacial do nosso tempo”. Nessa passagem ficou evidente que uma das respostas que o programa pretende oferecer está em função dos impactos que a pandemia acarretou nas cadeias globais de produção que ficaram abaladas e à dependência da China e Índia para o fornecimento de insumos médico-hospitalares. Visto como um novo momento de globalização trata-se, na verdade, de um acirramento das contradições do capitalismo que desemboca em conflitos insolúveis diplomaticamente.

Em perspectiva histórica é visível que houve uma diminuição da participação da indústria no PIB. Isso pode ser constatado a olho nu, ao se passear por antigos aglomerados industriais, inclusive no maior deles, o ABC paulista. O momento de maior participação do setor industrial no PIB brasileiro ocorreu em meados dos anos 80, em 1985 chegou ao percentual de 35,9%. De lá para cá, foi progressivamente se reduzindo até chegar ao índice de 11,3% em 2021. É de interesse popular reverter a situação que foi acentuada desde os anos 1990 com as indiscriminadas aberturas de mercado que desmantelaram a indústria nacional. Por exemplo, o setor de informática que havia obtido reserva de mercado em 1984, mas que não suportou a concorrência e desapareceu.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Antonio Albam em artigo felicitou a proposta afirmando: “Quem é contra a nova política industrial é contra o Brasil”  explicou que “De forma resumida, seu fio condutor é alinhar agentes públicos e privados para posicionar o Brasil frente aos desafios contemporâneos” (Valor Econômico 30.01.24). Ainda assim, a repercussão nos meios corporativos, porta-vozes da agiotagem financeira, foi negativa. Em diversos editoriais eles manifestaram-se contrários à iniciativa governamental, sob o argumento de que estaria reeditando medidas passadas e comprometendo o orçamento com gastos adicionais. Citaremos a opinião expressa em alguns editoriais.  “Sua filosofia, ainda que busque a modernidade, tem cara de retrocesso. Por último, e não menos importante, não há recursos para executar o programa” (Valor Econômico 24.01.24), falso pois há muito dinheiro escorrendo para o sistema da dívida pública que não oferta nenhuma contrapartida, além disso considera um retrocesso  produzir bens manufaturados. “Causa apreensão geral a retomada de políticas industriais por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (...)” (Folha de S. Paulo 29.01.24), ou seja, o governo deve ignorar o fato de que o país, mas principalmente os trabalhadores, necessitam de emprego. “Plano anunciado pelo governo reedita medidas fracassadas do passado recente e ignorar o fato de que o declínio da indústria brasileira antecede em décadas a pandemia de covid-19”. (O Estado de S. Paulo 24.01.24), o que é verdade, visto que as políticas neoliberais arrasaram com a indústria nacional. “O risco de falar em nova política industrial a esta altura é ela não passar de uma versão recauchutada, com os mesmos problemas da velha” (O Globo 23.01.24). A velha industrialização foi impulsionada pelo capital estrangeiro, no momento atual as multinacionais não migrarão para o Brasil. Os editorialistas revelam-se adeptos da teoria das vantagens comparativas exposta por David Ricardo em Princípios de Economia Política e Tributação de 1817 (cf.  cap. XXV – Sobre o Comércio Colonial), pois sugerem que o Brasil  deve investir nos setores em que é competitivo, ou seja, mantê-lo como semicolônia exportadora de grãos.

No fundo essas opiniões revelam que para nossas elites e camadas médias de intelectuais orgânicos da burguesia – seus jornalistas porta-vozes – o país pode ser neocolonizado (um neologismo, uma nova palavra, para uma condição secular) naquilo que ainda resta de atividade econômica, abrindo o mercado interno para todo tipo de importação, em contraposição ao que seria uma reafirmação soberana do país ao preconizar a redução da dependência externa. Por exemplo, 90% dos insumos farmacêuticos ativos (IFA) eram importados à época da pandemia.

Essa ideia de que o capital estrangeiro é a solução, permeia nosso passado desde o período colonial em que o sentido de nossa existência era, e é ainda hoje, o da  exploração pelas nações centrais. Exemplo disso está, também, naquilo que foi o transplante de parques industriais no Brasil.

No passado o capital estrangeiro/externo reciclava seus bens de produção em mercados atrasados, promovia nas semicolônias a transferência de maquinário já usado e obsoleto em suas matrizes,  o que foi registrado como investimento direto de capital estrangeiro. Por ocasião, do processo de reconstrução do II Guerra Mundial, o Plano Marshal inundou o Japão e a Europa, em particular Alemanha, com novo capital. O velho maquinário foi reciclado nas periferias do capitalismo.

O historiador Moniz Bandeira ao analisar as facilidades governamentais deste processo afirmou: “(...) a Instrução 113 facilitou a entrada no Brasil de máquinas e equipamentos velhos, obsoletos, valorizados, porém, como se novos fossem, sem considerar as depreciações (....) Entre 1955 e 1962, o Brasil recebeu, como investimento direto em divisas, bens de capital usados e obsoletos no valor de US$ 511,2 milhões, a maior parte procedente dos Estados  Unidos e da República Federal da Alemanha, isentando-os de taxas alfandegárias, de impostos federais e outros concedendo cambio especial às remessas de lucros que as empresas estrangeiras fariam para as matrizes no exterior” (Cartéis e Desnacionalização: Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, pp 10-11)

Esse foi o mecanismo de vantagens ao capital estrangeiro que “promoveu” a industrialização brasileira lido em termos ufanistas por muitos historiadores e economistas, vinculados ao regime como um processo autóctone de industrialização, quando não passou de uma pseudoindustrialização, pois dependeu tecnologicamente das nações centrais. Ressaltamos que as máquinas chegadas a partir do final dos anos 1940 já tinham sido utilizadas no processo produtivo de seus países de origem, ou seja, boa parte do parque industrial instalado no Brasil (e demais países da América Latina) foi composto por tecnologia depreciada.

O exemplo mais gritante foi o da indústria automobilística. Só depois da Volkswagen e da Mercedes Benz iniciarem fabricação (não apenas montagem) de automotores no Brasil no início dos anos 1950 foi que a Ford e General Motors também o fizeram, pois, a intenção das montadoras estadunidenses era conservar o mercado de suas exportações a partir dos EUA. Todas essas multinacionais importando de suas matrizes máquinas antigas.

E da mesma forma que um dia chegaram um dia podem ir embora, vide o exemplo da Ford que deixou o país em 2021. Se as matrizes da indústria automobilística decidirem por fechar as portas qual carro será produzido no Brasil? Nenhum! Inexiste uma fábrica nacional de automotores o que comprovam a dependência do país. Uma real industrialização requer pesquisa em ciência e desenvolvimento a fim de se obter verdadeira soberania industrial.

Contudo, entre os dilemas do passado e do presente está o fato de que o governo Lula-Alckmim propõe neoindustrializar o Brasil sem revogar a reforma trabalhista de Michel Temer, a reforma da previdência de Bolsonaro, sem reduzir a jornada oficial de trabalho para 35 horas semanais (7 horas por dia sem redução salarial) e com um salário mínimo muito abaixo do equivalente ao criado por Getúlio Vargas, o salário mínimo do Dieese (em janeiro de 2024 de R$ 6.723,41 contra os atuais R$ 1.412,00).

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