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CAMPINAS/SP: balanço das eleições municipais / 2024

CAMPINAS/SP: balanço das eleições municipais / 2024

O que a vitória da reeleição da direita em primeiro turno, com quase 2/3 dos votos, pode significar? Que a bolha campineira atuou com seu costumeiro modus operandi em defesa do reacionarismo? Que a direita da cidade é tacanha, mas não é burra? Ou, ainda, que a campanha de Pedro Tourinho cometeu erros que custaram sua ida ao segundo turno?

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Campinas ocupa a 12ª posição no Brasil entre as cidades com maiores receitas, mesmo não sendo uma capital de estado. Possui um PIB de 72 bilhões de reais (IBGE, 2021). A população de Campinas, em 2024, é estimada em  1.185.977 pessoas, sendo a 14ª maior cidade do Brasil.

 

A bolha direitosa de Campinas

Torna-se, então, bastante curioso o fato de que todo esse avanço na economia não encontre correspondência na política da cidade. Campinas não ocupa, por exemplo, nenhuma cadeira no Senado Federal e nem tampouco elegeu um presidente oriundo de seus quadros municipais depois do fim da ditadura cívico-militar, que perdurou entre 1964 e 1985, permanecendo em uma intrigante bolha política.

Isso expõe o caráter tacanho dos representantes políticos dos herdeiros econômicos do que fora uma das principais oligarquias sustentadas pela escravidão do Brasil, a dos barões do café, quando Campinas foi o centro do ciclo do café nacional e liderança na produção mundial cafeeira até o início do século XX. De centro da produção de café mundial à especuladores imobiliários - passando por um pólo de produção industrial, hoje em decadência - os políticos burgueses de Campinas se tornaram representantes de uma classe cada vez mais parasitária.

De certa forma, isso também explica o giro em favor da extrema direita e suas políticas como, por exemplo, a ordem de Dário Saad à Guarda Municipal para despejar 200 famílias do MST, na fazenda Santa Mariana. A medida extrema, e relativamente inédita para uma Guarda Muncipal, foi em favor da suposta dona do terreno, de 180 hectares, uma empresa do setor imobiliário. Segundo o MST, a fazenda é improdutiva, está tomada por pastagem degradada e há anos não cumpre sua função social (Correio Popular: Guarda Municipal retira integrantes do MST de área privada em Campinas).

Reflexos dessa bolha puderam ser observados nas últimas eleições municipais, quando três principais candidaturas se enfrentaram na disputa pelo governo municipal. Segundo a pesquisa de intenção de votos realizada pela AtlasIntel, empresa de gestão de banco de dados, entre os dias 20 e 25 de setembro, o candidato Pedro Tourinho, deputado federal do Partido dos Trabalhadores, emplacava um empate técnico com o candidato Dário Saadi, do Republicanos, atual prefeito da cidade, seguidos por Rafa Zimbaldi, do Cidadania, com 14% dos votos. Tourinho e Dário detinham 31% e 32,5%, respectivamente.

Contudo, o resultado das urnas surpreendeu boa parte da cúpula do PT Campinas e também de sua militância. Dário foi reeleito já no primeiro turno das eleições, com acachapantes 66,77% dos votos válidos (355.800), seguido por Pedro Tourinho com 23,18% (123.500) , tendo Zimbaldi em terceiro, angariando apenas 7,99% dos votos depositados nas urnas (42.557). Evidencia-se, assim, a tática do voto útil adotada pela direita e pela extrema direita da cidade, sendo que esta última foi totalmente absorvida tanto pelo governo, quanto pela campanha eleitoral de Dário Saadi.

O que isso pode significar? Que a bolha campineira atuou com seu costumeiro modus operandi em defesa do reacionarismo? Que a direita da cidade é tacanha, mas não é burra? Ou, ainda, que a campanha de Pedro Tourinho cometeu erros que custaram sua ida ao segundo turno?

É possível considerar que todos esses elementos das perguntas acima tiveram participação no resultado dessa eleição municipal. Mas, a partir daqui, interessa não só a parte do jogo jogado pelo inimigo de classe, as iniciativas e prerrogativas da direita, mas também considerar a movimentação da campanha de Pedro Tourinho, afinal o inimigo não joga soinho, pode muito, mas não pode tudo.

 

O giro à esquerda que não veio

A tarefa da campanha do PT/PSOL era mobilizar os trabalhadores e as trabalhadoras de Campinas para, juntos, criarem as condições necessárias ao enfrentamento do grupo político que há 12 anos desmonta as políticas públicas municipais. O grupo encrostrado na administração municipal usurpa a cidade, dilapida os cofres públicos, transferindo recursos do município para a iniciativa privada, marcadamente para o capital imobiliário que se apropria de Campinas a olhos vistos. Tudo isso, navegando em uma onda favorável do maior avanço do neoliberalismo cada vez mais associado ao tecnofascismo, ao bolsonarismo e ao tarcisismo dos grupos políticos da direita e da extrema-direita municipais.

A ofensiva da direita gera contradições que podem e devem ser exploradas pelo nosso campo. Todavia, a campanha de Pedro Tourinho destoou até da campanha do próprio Lula em 2022. Foi dirigida pelo conservadorismo político e econômico, não estabelecendo o diálogo imprescindível com a população constituída pela classe trabalhadora, ansiosa por mudanças que, ao procurar essa possibilidade, não a encontrou no programa de governo proposto e veiculado pelo candidato que unificou as esquerdas nessas eleições municipais.

O discurso do candidato do PT em Campinas, se migrasse para o palanque de qualquer um de seus adversários da direita, não precisaria sofrer grandes ajustes. A direção da campanha foi hegemonizada pela corrente majoritária nacionalmente, a CNB.

 

Campanha eleitoral de nosso candidato manteve arrocho salarial para os servidores

A coordenação da campanha de Tourinho se recusou a defender o índice de recomposição salarial para os servidores municipais, atualmente na marca dos 30,33%, índice defendido por sete coletivos de oposição à atual diretoria pelega do sindicato dos servidores, o STMC. O arrocho salarial ao qual os servidores e servidoras municipais vem sendo submetidos foi deliberadamente ignorado pela coordenação. 

Pior, em contraposição aos argumentos e demonstrações, como as do gráfico abaixo, feitos em Grupos de Trabalhos para a elaboração do programa de campanha eleitoral de Tourinho, a coordenação da campanha apresentou um índice miserável de apenas 6%, negando as perdas acumuladas da categoria e se comprometendo, na prática, a dar continuidade ao arrocho salarial vivido pela categoria.

A tabela abaixo apresenta os cálculos, chegando inclusive a um percentual ligeiramente maior para as perdas acumuladas, em um total de 30,41%.

Fonte: André Fonseca

Campinas possui, atualmente, cerca de 26 mil servidores, entre aqueles que estão na ativa e os que estão aposentados. Ao se recusar a radicalizar nas propostas apresentadas para essa base eleitoral, a campanha de Pedro Tourinho fechou as portas para possíveis multiplicadores de suas propostas, pois em torno de cada servidor reúnem-se um grande número de pessoas, todas interessadas em mudanças na atual situação econômica e social da cidade. Esse contingente de dezenas de milhares de trabalhadores poderia não ter assegurado a vitória eleitoral de Pedro Tourinho, mas certamente arrastaria a disputa contra a direita até o segundo turno.

Essa recomposição salarial para os servidores municipais poderia fazer dessa campanha do PT um necessário acerto de contas com o passado. Em virtude de uma escolha de política salarial duvidosa, de fazer um plano de cargos, carreiras e vencimentos e de dar 0% de aumento salarial no ano de 2003, o então governo municipal do PT foi demonizado junto aos servidores públicos pela oposição burguesa depois disso. A partir de então, a oposição burguesa e de direita passou a ganhar as eleições na prefeitura e no sindicato dos municipais, o STMC.

Sob esse histórico, a incorporação da recomposição salarial dos trabalhadores do município com os 30,41%, defendida pelos sete coletivos de oposição sindical durante a campanha salarial deste ano e apresentada à coordenação da campanha de Tourinho pela OUL, poderia fazer diferença nas eleições, por realizar a justa reposição das perdas e enterrar a má fama atribuída ao PT dentro da categoria pala direita. O acerto de contas não foi feito nessa campanha. A oportunidade foi desperdiçada a um alto custo de termos que enfrentar mais quatro anos de arrocho salarial e deteriorização dos serviços públicos.

Nesse aspecto, qual a diferença dessa campanha política para as políticas do grupo que está no poder municipal há 12 anos? Para os trabalhadores do município, a campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores não tinha nada a mais a oferecer do que a consumação da perda de 1/3 do poder aquisitivo de seus salários.

Além disso, no programa do nosso candidato, não havia qualquer aceno de que se pretendia ir para cima contra os escândalos no Camprev, o assédio moral e as terceirizações da saúde e da educação.

 

Ao contrário do slogan da campanha "Vamos para cima!", a campanha não foi

Na questrão do transporte público, a campanha de Pedro Tourinho não se comprometeu a defender, por exemplo, a política do passe livre irrestrito para todos os trabalhadores, que gastam entre 15 e 20% do seu salário com transporte.

Mais de 80 prefeituras nas cidades do Brasil, inclusive as de direita, já adotaram o passe livre (Agência Brasil - EBC: País chega a 84 cidades com passe livre pleno no transporte coletivo, maioria está no estado de São Paulo, 24, seguido de Minas Gerais, 23), mas as propostas do candidato do PT ficaram restritas a adquirir novos ônibus, rever o contrato de licitação, ampliar o número de linhas, e restringir a tarifa zero apenas para estudantes, idosos e beneficiários do Bolsa Família. 

Fonte: https://pedrotourinho.com.br.á

Na questão da educação, o candidato não se comprometeu com o enfrentamento dos principais problemas da educação: o combate à terceirização e à priviatização, o assédio moral, o fechamento de salas de aula em favor das parcerias privadas, a precarização das condições de trabalho das monitoras e agentes da educação infantil, a revogação do decreto que institui o assédio durante o estágio probatório, a falta de transparência na discussão do plano de cargos dos servidores, o direito à ampliação da jornada dos professores adjuntos de 20h para 30/40h. 

Fonte: https://pedrotourinho.com.br.

Na questão da especulação imobiliária, uma das fontes principais do parasitismo da burguesia campineira, herdeira da mais longeva oligarquia escravocrata do país, nosso candidato não assumiu o compromisso de comprar a briga contra o grande capital e muito menos propor uma necessária reforma urbana.

Fez um programa comportadinho, praticamente tucano, que não foi para cima da especulação imobiliária. Os capitalistas que jogam com o mercado imobiliário são responsáveis pela explosão dos valores dos alugueis (G1: Bairros com 'vazios imobiliários' puxam alta e Campinas tem maior aumento no preço de aluguel do país) e, consequentemente, de pessoas morando na rua, por isso, há tanta gente sem teto e tanto teto sem gente em Campinas.

O número de trabalhadores sem teto na cidade explodiu nos últimos anos. São 1,3 mil pessoas em situação de rua, contra 932 no levantamento anterior, de 2021. (G1: Homens, pardos, jovens: Campinas tem alta de 39% na população em situação de rua).

Fonte: https://pedrotourinho.com.br.

Na questão da saúde, nosso candidato não "foi pra cima" do escândalo que são a terceirização e a privatização da rede de saúde pública municipal, Rede Municipal Dr. Mario Gatti, não se comprometeu com o enfrentamento à terceirização, à reestatização da saúde pública, uma necessidade vital para a população campineira; e não defendeu a revogação do fim das horas complementares (Lei 472/24), uma condição vital para a continuidade do trabalho dos profissionais de saúde da cidade.


Fonte: https://pedrotourinho.com.br.

Na questão da segurança pública, atendendo às pressões da direita, a campanha (aí sím!) se comprometeu com a histeria da indústria do medo, parecendo concordar com a tese de que o problema da segurança da população trabalhadora, cada vez mais precarizada, pauperizada, miserável, sem teto, deve ser resolvido pela política policialesca de aumentar a repressão contra essa mesma população trabalhadora.

Essa política policialesca é estimulada pela reação política e só fortalece a extrema-direita bolsonarista. A campanha do nosso candidato, assim como a de Boulos na capital paulista, propôs ampliar muito o aparato repressivo da prefeitura, prometeu mais do que dobrar o efetivo da guarda de 681 guardas para 1.481, o que se tenta atenuar/controlar com uma suposta "formação cidadã" da repressão.

Fonte: https://pedrotourinho.com.br.

Todos esses fatos demonstram a incapacidade da política neoliberal e conciliadora de classes do PT que, mesmo com o governo federal na mão, não defendeu sequer o processo de reindustrialização do município que já foi um dos principais pólos industriais do país, o qual geraria novos postos de trabalho, Essa decisão política é essencial para retomar as condições para a recomposição da base social que deu origem ao próprio Partido dos Trabalhadores.

E como a campanha de Pedro Tourinho, não foi para cima como anunciou, nem sequer chegou ao segundo turno.


Prefeito reeleito cassado

Neste momento, a candidatura de Dário Saadi segue cassada por abuso de poder político e uso indevido da máquina pública. A Justiça Eleitoral acolheu os argumentos da Coligação Mudança de Verdade (PT, PCdoB, PV, PSOL e Rede) e do Ministério Público Eleitoral que acusavam o prefeito de se valer do cargo para gravar programas eleitorais em áreas restritas de unidades da Prefeitura. Assim, o prefeito reeleito está inelegível por 8 anos. Sua defesa recorreu e o processo segue em segunda instância, ainda sem resultado. 

Não temos ilusão com a justiça burguesa. Mas quais indicativos esse fato aponta? O que se observa, no entanto, é uma certa descrença também da direção municipal do PT Campinas, bem como de boa parte de seus quadros, que parecem não esperar muito dessa tática, utilizada pela direção da campanha durante o pleito.

O Partido Comunista compôs a frente de esquerda que apoiou a candidatura de Pedro Tourinho em Campinas, mas em nenhum momento deixou de se posicionar criticamente diante dos  seus distanciamentos programáticos das demandas da classe trabalhadora campineira, em luta contra a direita e a extrema direita tão peculiares de Campinas.

 

Hegemonia da direita e resistência de esquerda

Na Câmara Municipal, a bancada de esquerda manteve o mesmo número de cadeiras: 6, sendo 3 ocupadas pelo PT, 2 pelo PSOL e 1 pelo PCdoB. Contudo, a base do governo cresceu e se endireitou ainda mais. Dos 33 parlamentares da atual bancada, 23 foram reeleitos, representando um índice de 74% das vagas disponíveis no legislativo municipal. Entre os 10 novos nomes na Câmara, 2 já tiveram mandatos em outras legislaturas. Republicanos, PL e  PSB ocuparam 5 cadeiras; e o Podemos ficou com 3. Já MDB, PP, PSD e União detiveram 2 cadeiras cada um, enquanto o Cidadania ocupará uma vaga no legislativo municipal a partir de 2025.

Nós, do PC, seguindo o pressuposto de apoiar candidaturas de esquerda, nestas eleições municipais, que demonstrassem potencial para o necessário enfrentamento ao avanço da direita, da extrema direita e do neoliberalismo, compusemos a frente de esquerda que a candidatura da companheira Guida Calixto (Articulação de Esquerda / PT), uma mulher negra, servidora municipal da educação e militante do movimento sindical de oposição na cidade, logrou unificar para a sua reeleição.

Com uma campanha militante, Guida Calixto obteve 5492 votos para a Câmara Municipal, e nossa decisão se demonstrou acertada, não apenas pela conquista da reeleição, o que coloca em perspectiva a continuidade do desenvolvimento de um mandato popular, incluindo a sua disputa à esquerda, como também pela capacidade que a candidatura demonstrou para unificar diversas forças de esquerda atuantes em Campinas durante a campanha, em número maior, inclusive, do que a própria candidatura majoritária logrou conquistar.

Durante seu mandato combativo, bem como durante sua campanha, a vereadora reeleita realizou as importantes defesas das bandeiras socialistas e classistas, incluindo o índice de recomposição salarial devido aos servidores municipais de 30,33%, a reestruturação da carreira das monitoras e agentes de educação infantil, a retomada do pagamento das horas de trabalho excedentes ao quadro de profissionais da saúde, a proposta de educação integral e antirracista que representa as reais necessidades das trabalhadoras e dos trabalhadaores de Campinas, bem como encampou o combate às terceirizações, às privatizações e ao assédio moral instituído como política na administração pública municipal.

 

Perspectivas: resistir e lutar

O mandato atual da vereadora Guida Calixto sofreu um processo de cassação em 2023, resultado da hipocrisia reinante no Executivo, que se autodeclara antirracista, mas que orientou sua base parlamentar nesta atuação, por conta da  luta da vereadora contra o racismo, na cidade que foi a última no mundo a abolir formalmente a escravidão. Guida e seu gabinete produziram um material didático em forma de HQ, defendendo a população trabalhadora negra contemporânea, seus territórios  e seu legado histórico de lutas. A HQ foi criada por um artista de rua da cidade, e umas das imagens utilizadas  para reproduzir fielmente um registro fotográfico apresentava a bandeira "fogo nos racistas". Por essa coragem, a bancada parlamentar, representando a burguesia campineira tentou cassar o mandato da vereadora e impedir a divulgação da HQ, quando foi derrotada.

O Partido Comunista defende a vereadora reeleita Guida Calixto por sua coragem de combater o racismo na sociedade e na política campineiras, historicamente escravocratas, utilizando-se da escravização dos povos pretos, sequestrados de suas origens, processo político e econômico que sustentava a principais mercadorias-commodities do país, a cana de açúcar e o café. 

Para a próxima legislatura, seguimos compondo com o mandato combativo da companheira, mantendo sempre nossa autonomia programática, de forma a potencializar as lutas que todos os trabalhadores e trabalhadoras de Campinas, incluindo os servidores e servidoras municipais, precisarão travar, diante do acirramento das condições desfavoráveis da conjuntura política e econômica que nos aguarda a partir de 2025.

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