Desconstruindo a “pressão do mercado”, análise do cenário econômico do Brasil
"Descontrole inflacionário, cambiário e fiscal"; "Em defesa dos juros altos e do corte de gastos", o mercado toca o terror pela desestabilização do governo Lula. O economista marxista, Fábio Maia, Sobral, desmistifica o mercado na entrevista.
O aumento da taxa de câmbio e o dos juros pelo BC estão sendo criticados como um sinal de mau gerenciamento da economia pelo governo Lula. O cenário macroeconômico é bom ou ruim e para quem?
Fábio Sobral - No século XIX, a economia chamada economia política. Isso não é à toa. Existem interesses distintos. Interesses políticos, sociais e econômicos distintos na sociedade. E, dependendo do grupo independendo do grupo ao qual você faça parte, seus interesses e sua visão do que é um bom cenário da economia é diferente. Para os setores que são especuladores do mercado financeiro, as variáveis macroeconômicas estão ruins porque há uma, vamos dizer assim, um compromisso maior do governo Lula com gastos sociais. Eles não querem isso. Seu interesse é puramente a transferência de riqueza por meio de mecanismos financeiros para os setores mais ricos. Então você tem duas economias distintas. E a avaliação de uma é que a economia Brasileira vai mal, porque parte maior dos recursos ainda que não tão grande, está indo para os setores mais pobres. Esses que acham que a economia está ruim, não tem compromisso com a população brasileira, com o processo produtivo, com a capacidade de independência nacional. Seus objetivos estão ligados a um mercado internacional especulativo, em dólar e em títulos públicos, e eles não têm nenhuma relação com a vida real das pessoas, a não ser para tentar subjugar governos que obedeçam seus interesses.
No caso da vida real, o cenário microeconômico é muito bom. Redução do desemprego, aumento da renda média das camadas trabalhadoras, aumento da atividade econômica, a indústria comprando mais equipamentos, ou seja, apostando no futuro, o que em economia se chama formação bruta de capital fixo, então há uma expansão da capacidade industrial. A inflação não está descontrolada, como dizem, ela está num patamar um pouco acima das metas, mas quem define as metas na verdade é esse setor legislativo que define metas a rigor baseado nos seus interesses. Economista britânico John Maynard Keynes. Opunha preços a juros. Se você tem juros muito altos, o dinheiro sai da atividade econômica e vai para a atividade especulativa. Se você tem preços que estão crescendo, mas se a renda do trabalhador e da trabalhadora crescem conjuntamente, a inflação não é tão complicada, se ela não sai de controle. Então, se os preços estão um pouco mais altos, o dinheiro sai do setor financeiro para a atividade produtiva. E o dinheiro sai do setor especulativo para a atividade produtiva, aumenta a produção e ajuda a controlar o próprio processo inflacionário. Então, as variáveis macroeconômicas estão em um estado espetacular.
O Copom do Banco Central segue defendendo o aumento da taxa de juros, supostamente para desacelerar a economia e conter a inflação. Há um descontrole inflacionário que justifique os juros elevados?
Fábio Sobral - O Copon diz que é preciso aumentar a taxa de juros para desacelerar a economia e justifica isso como uma forma de conter o processo inflacionário. Não há um descontrole inflacionário. Na verdade, a maior parte da inflação brasileira poderia ser controlada pelo controle dos preços administrados. A inflação brasileira é muito sensível a aumento de combustíveis, aumento de energia elétrica, aumento de remédios, aumento de transportes e por aí vai. Então, se você controla os preços administrados, boa parte da inflação é controlada. Ao contrário do que dizem os economistas tradicionais comprometidos numa atitude contra o povo brasileiro. Brasileiro não são os juros que controlam a inflação, são esses preços administrados. Uma política da Petrobras em que os combustíveis não obedeçam aos preços internacionais do petróleo seria muito mais benéfica, muito mais eficaz no controle da inflação.
Além disso, eles dizem que o governo tem gastos maiores, despesas maiores do que as receitas, o que eles fazem? Aumentam a principal variável que provoca aumento de gastos, aumento de despesas do governo. Qual é a principal variável? Juros. Isso é de uma contraproducente, de uma incoerência lógica extraordinária. Você, para reduzir despesas, eleva os juros que são a principal fonte de gastos do governo federal, dos governos aqui no Brasil, das diversas instâncias. Então não se justifica. O aumento de juros é totalmente ineficaz. Ele, na verdade, trabalha contra, inclusive, a capacidade e a sustentação dos governos. Governos, a sustentação financeira. Você transfere mais renda para esse setor, então de fato é uma extrema administração, a qual o governo não é o responsável, ele está submetido ao Conselho de Política Monetária do Banco Central, em que o aumento da taxa de juros provoca um estrangulamento do próprio governo. Entende? Então, ao invés de cortar juros, você corta as despesas sociais, você prefere dar a preferência a que os setores que lidam com juros que são beneficiários, que são na verdade os setores mais ricos da população brasileira, sejam beneficiados e protegidos ao invés da população trabalhadora.
O setor industrial do capital, através do presidente da CNI, Ricardo Alban, é contra o aumento da taxa de juros, mas defende mais cortes de gastos do governo para conter a alta do dólar. Para onde leva essa orientação
Fábio Sobral - De fato, o presidente da Confederação Nacional da Indústria acerta em ser contra os juros, mas erra ao dizer que os cortes de gastos do governo é que podem fazer reduzir o câmbio, o valor do dólar frente ao real. É fruto de uma má formação dos setores dominantes, dos setores dirigentes da indústria brasileira, do comércio. Todos eles são incapazes de ter uma articulação mínima de ideias que ultrapasse o mero pensamento econômico ortodoxo. É gente que foi formada, na verdade, pelas redes de televisão, pelos comentaristas econômicos, extremamente enviesa. Dos defensores do mercado financeiro. Então eles adquiriram essa concepção, esse dogma econômico do corte dos gastos públicos e acham que isso é uma regra inabalável. Na verdade, boa parte do PIB brasileiro é puxado pelos gastos governamentais. Se o governo transfere renda para os setores mais pobres, esses setores consomem, a indústria funciona. O presidente da confederação nacional da indústria, não entender isso é de uma incapacidade, de um primarismo, de uma má formação, de uma ignorância diante dos fatos. A grande riqueza do Brasil, a grande diferença riqueza do Brasil é o seu mercado. De mercado consumidor interno, que ainda consome produtos em grande escala, manufaturados, dentro do Brasil. E a indústria vai contra essa expansão do mercado consumidor interno, é de uma total incompreensão da realidade.
A quem interessa juros e câmbio alto?
Fábio Sobral - A minha visão é de que interessa os setores especulativos internacionais, especuladores, eles trabalham com um sistema de movimento internacional de dinheiro, de finanças. Você retira empréstimos a baixíssimos juros, ou a juros negativos, ou a 0% no Japão, ou em outros países de juros baixos, transfere esse dinheiro, converte isso em dólares, transfere esse dinheiro para comprar dívida pública brasileira e obtém a diferença gigantesca, o Brasil com a taxa de juros escandalosa e eles adquirem empréstimos a 0%, menos de 1%. E ganham na diferença, no diferencial de juros. Então, na verdade, há um esquema internacional montado em que o Brasil faz parte de uma estrutura maior, em que ele é usado para o benefício desses setores especulativos internacionais. Então, controlar juros é essencial para esse setor. Para isso, o presidente do Banco Central é a figura principal. E controlar o câmbio na medida em que eles promovem uma ação em que o Banco Central também é essencial. O Banco Central vende dólares abaixo do valor de mercado, as pessoas ficam achando que a ação do Banco Central foi excelente, você controlou o descontrole, controlou o. A diferença do câmbio, impediu que o câmbio explodisse, mas na verdade transferiu riqueza para os setores especulativos. Vocês venderam dólares abaixo do valor de mercado, eles não, eles controlam ainda o dólar para que o dólar não caia tanto e as reservas brasileiras em dólares vão sendo desgastadas, vão sendo desfalcadas para sustentar esse grupo absolutamente nocivo.
É correta a preocupação do Boletim Focus sobre um "descontrole fiscal" do governo?
Fábio Sobral - O Boletim Focus não é uma análise científica séria, é um grupo de pessoas que é chamado pelo Banco Central para controlar as percepções que se chamam economia de expectativas e estabelecer politicamente direções para a taxa de juros e o câmbio. Então o Boletim Focus não é um grupo imparcial, é gente absolutamente interessada em que os juros subam. É óbvio que eles vão criar variáveis impressões de descontrole de uma macroeconomia em estado crítico para que eles tenham os benefícios políticos, econômicos, financeiros da elevação da taxa de juros. Eles, na verdade, não erram como um cientista erraria numa experiência. Tudo isso é pensado e é proposital. Tudo é trabalhado politicamente. A economia em sua grande parte pelos economistas é uma farsa, uma elaboração fajuta para defender seus interesses próprios.