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EUA: trumpismo 2.0 e o neonazismo pós-Trump

EUA: trumpismo 2.0 e o neonazismo pós-Trump

Análise da entrevista de Steven Bannon ao The New York Times para entender a gestação do ovo da serpente.

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O nazismo do século XXI, segue crescendo apesar das derrotas eleitorais em 2020 e 2022 de seus principais expoentes no continente americano, Trump e Bolsonaro. Derrotas seguidas por tentativas frustradas de golpes nos EUA e Brasil.

Para além dos movimentos militares e ações nazistas e terroristas desferidas pelos governos de Israel e Ucrânia, a onda está em ascenso na Argentina (Partido Libertario - PL), Holanda (Partij voor de Vrijheid-PVV), França (Rassemblement National-RN), Alemanha (Alternative für Deutschland-AFD), Portugal (Chega), Itália (Fratelli d'Italia - FDI).

Na medida em que aumenta a crise dos governos da direita tradicional e o desgaste da esquerda, defensora da gestão neoliberal do Estado, com suas bases sociais, os neonazistas se apresentam como alternativa política consequente a defesa dos interesses do grande capital financeiro, do imperialismo e dos "valores tradicionais ocidentais" contra as ameaças oriundas de um campo de países oprimidos pelo sistema imperialista, capitaneados por Rússia, China e Irã, cuja influência se irradia de um bloco de países eurasiáticos e se estende até a África e América Latina

Às vésperas de ser preso novamente, Steven Bannon, 70 anos, um dos principais conselheiros de Donald Trump e inspirador do movimento Make America Great Again (MAGA), uma fração do Partido Republicano. Ele foi condenado por por se recusar a comparecer à comissão da Câmara que investiga o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, em Washington por apoiadores de Trump. Ele alega que as conversas que teve com o presidente naquele dia deveriam ser protegidas sob privilégios do Executivo.

Reproduzimos com comentários críticos trechos de uma entrevista realizada pelo jornalista David Brooks, colunista de opinião do The Times, A Entrevista de Steve Bannon ao The New York Times foi realizada em primeiro de julho de 2024. Bannon é um fascista com uma apurada consciência de classe burguesa nesse momento decadente do sistema imperialista criado ao final da segunda guerra mundial.

Na entrevista, Bannon projeta que "Nosso movimento está se metastatizando para algo que é diferente do America First; é o American Citizens First", demonstarndo que o racismo e a xenofobia do MAGA evoluem para a concepções ainda mais elitizadas da oligarquica financeira.

 

Duas expectativas opostas sobre os efeitos das crises econômicas sobre as massas. A relação entre a crise econômica de 2008 e as condições favoráveis a penetração da ideologia nazista 

O jornalista busca traçar um panorama amplo, do ponto de vista de um liberal, do descenso da esquerda e ascenso da direita após a crise de 2008:

"David Brooks - Depois da crise financeira, pensei que seria um ótimo momento para ser esquerdista. Você tem uma crise financeira causada pelo capitalismo irresponsável, os salários estão estagnados, a desigualdade está aumentando. Caramba, até eu quase me tornei um marxista . Mas de alguma forma esta tem sido uma era melhor para a direita populista do que para a esquerda populista.

Steven Bannon - Você está vendo os democratas do America First. Olhe para John Fetterman. Fetterman e Steve Bannon estão mais próximos em sua economia do que Steve Bannon e o establishment republicano. A esquerda não tinha o que era preciso por causa das questões culturais e das questões raciais, toda aquela loucura em que estão inseridos . Eles queriam ter fronteiras abertas. Eles querem o D.E.I. [1]
A esquerda histórica está em colapso total. Eles sempre se concentram no ruído, nunca no sinal. Eles não entendem que o movimento MAGA, à medida que ganha força e se desenvolve, está se movendo muito mais para a direita do que o presidente Trump. Eles olharão para trás com carinho para Donald Trump. Eles perguntarão: Onde está Trump quando precisamos dele?" (David Brooks, Minha inquietante entrevista com Steve Bannon, The New York Times, 1 de julho de 2024).

Como afirma Brooks, de fato as expectativas do senso comum e inclusive de amplos setores da esquerda, eram de ascensão da esquerda socialista após a profunda crise capitalista de 2008. A economia de mercado retraiu, os salários foram achatados, o desemprego e o subemprego aumentaram e a miséria social disparou, ou seja, as condições objetivas para a revolta e para a revolução social aparentemente se ampliaram. Todavia, a expectativa de que a crise econômica favorece a revolução social não tem se concretizado historicamente. Pelo contrário, as crises econômicas tem sido mais capitalizadas pela direita do que pela esquerda.

O dirigente das revoluções russas de 1905 e outubro de 1917, Leon Trosky, já havia notado essa relação no início do século XX: "Uma crise age na classe operária não para exaltá-la, mas para deprimí-la, tira dela toda a confiança em suas próprias forças e dilui nela suas forças políticas. É preciso que um novo alento na vida industrial venha animar o proletariado, regenerá-lo, devolver-lhe a segurança, torna-lo capaz de prosseguir na luta." (Leon Trotsky, Minha Vida, página 265).

De fato, inversamente ao decaimento do espírito revolucinário provocado pelas crises economicas capitalistas, a recuperação industrial potencia o movimento revolucionário. A maior expressão disso foram os processos revolucionários vitoriosos ocorridos durante os chamados 30 anos dourados do capitalismo, entre 1945 e 1975, a era de maior crescimento econômico capitalista foi também a era histórica onde ocorreram mais revoluções socialistas (Coréia, China, Iugoslávia, Cuba, Vietnã,...) e processos de indpendências de países até então colonizados pelo imperialismo, além do ascenso do movimento de massas em toda a Europa, África e América Latina, só contidos por ditaduras fascistóides e pró-imperialistas na América Latina e Indonésia.

A crise de 2008 acentuou enormemente um fenômeno que já estava latente nas últimas décadas: a desindustrialição dos EUA e a perda de 25% do poder aquisitivo das famílias da classe trabalhadora, simultaneamente ao endividamento das famílias. A desindustrialização das regiões historicamente de industrialização mais antiga e extensa dos Estados Unidos, antigamente conhecidas como o cinturão da manufatura, onde se destavavam os ramos siderúrgico, mecânico, metalúrgico (automobilístico), petroquímico, alimentício e têxtil, a região dos Grandes Lagos e dos Montes Apalaches fez com que o eleitorado proletário dessa região migrasse seus votos do Partido Democrata para o Partido Republicano em 2016, quando Trump prometeu a reindustrialização e fazer a América grande novamente. Desde 2016, o proletariado do Rust Belt foi e continua sendo um fator determinante nas eleições presidenciais estadunidenses. O proletariado do Cinturão da Manufatura foi transformado no lumpemproletariado do Rust Belt (Cinturão da Ferrugem).

Antes de trocar Biden por Kamala Harris (O PC critica o apoio de organizações dos trabalhadores a candidatura imperialista de Harris. Para conhecer a posição do PC sobre as eleições presidenciais nos EUA em 2024 ler Por que a cúpula do Partido Democrata, a mídia corporativa e os movimentos identitários pró-capitalistas apoiam a candidatura Kamala Harris? e  A corrente Resistência do PSOL está apoiando Kamala Harris?), a imprensa imperialista destacava os estados do cinturão da ferrugem que são o fiel da balança nas eleições: "O caminho mais provável de Joe Biden para a reeleição é estreito e depende dos mesmos três estados que deram a Donald Trump o Salão Oval em 2016 e depois o arrancaram dele em 2020 — Pensilvânia, Michigan e Wisconsin" (NBC News, To beat Trump, Biden 'must have' the Rust Belt, 12 de junho de 2024).

Esse foi um dos resultados mais dramáticos da financeirização/desindustrialização operado pela burguesia imperialista estadunidense. Após a crise de 2008, a burguesia então, por meio do fascismo, seduz e mobiliza esse proletariado, que é sua própria vítima, a se juntar à burguesia na perseguição de outros proletários e povos oprimidos no planeta.

 

 

Trump como moderado e o neonazismo pós Trump

 

A aposta burguesa no nazismo é como matar a sede com água salgada. Nunca é o suficiente e o céu (no caso, o inferno) é o limite para a radicalização da política burguesa contra os oprimidos. Essa evolução do trumpismo, ou melhor, do MAGA para um movimento ainda mais ambicioso e consequente com os planos hediondos da burguesia são antecipados pelo conselheiro de Trump. Afora a questão da Ucrânia e da Inteligência Artificial, nas demais questões como imigração e China as aspirações do MAGA são explosivas:

"David Brooks - Você disse algo que eu tenho que perguntar, que Trump é moderado. Em quais áreas o movimento MAGA está mais à direita do que Trump?

Steven Bannon - Eu acho que mais à direita em cortes radicais de gastos, nº 1. Acho que somos muito mais radicais em coisas como a Ucrânia. O presidente Trump é um pacificador. Ele quer entrar, negociar e descobrir algo como um negociador. Acho que 75% do nosso movimento gostaria de um fechamento imediato e total — nem mais um centavo na Ucrânia, e investigações massivas sobre para onde foi o dinheiro. Sobre a fronteira sul e deportações em massa, não acho que o presidente Trump esteja perto de onde estamos. Todos eles têm que ir para casa.
Além disso, sobre inteligência artificial, somos virulentamente anti-I.A. Acho que grandes regulamentações precisam vir.
O presidente Trump é uma pessoa de bom coração. Ele é uma pessoa sociável, certo? Sobre a China, acho que ele admira Xi Jinping. Mas somos super-falcões. Queremos ver a eliminação do Partido Comunista Chinês." (David Brooks, Minha inquietante entrevista com Steve Bannon, The New York Times, 1 de julho de 2024)

Para a Rússia e para a própria Europa é melhor que o MAGA deseje a suspensão imediata dos esforços de guerra contra a Rússia na Ucrânia, dos pesados investimentos do Estado imperialista na indústria armamentista, que sabotam a própria economia das potências europeias em favor dos EUA. Existem contradições entre o MAGA e o Complexo Militar Industrial (ou de forma moderna o MICIMATT:. Complexo Militar-Industrial-Congresso-Inteligência-Mídia-Academia-Think-Tanks, segundo o atual ativista político e ex-agente da CIA Raymond McGovern). Contradições que foram responsáveis para que o Assalto trumpista ao Capitólio de 6 de janeiro 2021 não resultasse em um golpe de Estado. Afinal, a fração trumpista do imperialismo não dispunha de aparato militar e policial para fazer valer seus interesses sobre o outro lado. Essaas contradições terão que ser superadas no processo de ascesão do MAGA ao poder.

A desconfiança do MAGA sobre a IA se deve ao fato de que eles precisam tomar dos Democratas e do Estado profundo o controle dessa parafernalha tecnológica associada a inteligência e espionagem e a guerra cibernética.

As perpectivas do movimento neonazista MAGA dependem da conquista do aparato militar, policial e midiático e de todos a caixa de ferramentas desenvolvidas pela máquina de dominação estadunidense do sistema imperialista pelo mesmo, a fim de que armado possa desenvolver suas aspirações bélicas contra os trabalhadores e povos oprimidos do mundo. Enquanto não controlar parte ou a totalidade do Complexo Militar Industrial, o MAGA continuará sendo um movimento alternativo, não hegemônico na dominação de classe nos EUA e no sistema imperialista internacional.

Para seduzir a fração do proletariado mais xenofobizada, que acredita que o desemprego e a miséria social são causados pela invasão estrangeira, sobretudo dos latinos, Bannon promete "deportação em massa". O trumpismo corresponde a fração do empresariado estadunidense que mais tem choques de interesses com a economia chinesa e por isso o conselheiro neonazi se arroga em dizer: "somos super-falcões. Queremos ver a eliminação do Partido Comunista Chinês.". 

 

O trumpismo 2.0, as primeiras medidas de um futuro governo Trump e a guerra civil

O trumpismo aprendeu com os erros e se chegar pela via eleitoral ao governo novamente não vai mais querer sair. Para isso, precisa desmontar e se apoderar das máquinas do MICIMATT, como Hitler tomou conta do Estado militar e policial alemão, convertendo-o em uma máquina de guerra à sua disposição.

David Brooks - Como você acha que seria uma segunda administração Trump nas primeiras semanas? Meses?

Steven Bannon - O Projeto 2025 e outros estão trabalhando nisso — para focar imediatamente na imigração , nas guerras eternas e no fiscal e financeiro . E simultaneamente na desconstrução do estado administrativo e ir atrás da destruição completa e total do estado profundo. Nos primeiros 100 dias — isso vai ser diferente de 2016 — teremos 3.000 nomeados políticos prontos para ir.

David Brooks - Essas pessoas foram selecionadas e treinadas? Quando Trump chegou, em 2017, vocês tinham muitos remanescentes republicanos —

Steven Bannon - Não tínhamos nada. Vocês têm cinco ou seis grupos que estão construindo conhecimento especializado no assunto, elaborando documentos de posicionamento. Eles estão examinando as pessoas agora. Então vocês vão entrar em guerra com o estado administrativo existente e o estado profundo da Guarda Pretoriana. Meu ponto é, vamos, na transição, obter todos os contratos federais. Fechem todos eles. Vamos colocar o MAGA lá. Certo. Vamos colocar nossos caras nos contratos. Será uma aquisição hostil do aparelho.

David Brooks - Quem é o círculo interno? Quem é o chefe de gabinete?

Steven Bannon - Acho que vocês terão alguém que sabe o que está acontecendo. Caras como o Dr. Kevin Roberts e outros. Além disso, acredito fortemente que logo após a Associated Press convocar a eleição, Jerome Powell apresentará sua renúncia. E então vocês escolherão um novo chefe do Federal Reserve. E vocês escolherão um secretário do Tesouro e um procurador-geral.

Se não chegar pela via eleitoral, poderá tentar a via da segunda guerra civil estadunidense. O plano do desmonte das máquinas democratas nos 100 primeiros dias se chama "Projeto 2025". Bannon promete limpar a máquina de pelo menos 3 mil cargos de confiança, nomeações políticas de democratas e republicanos não confiáveis e revisar todos os contratos empresariais federais, obter o controle do Banco Central, o FED, o Secretário do Tesouro e o Procurador Geral pelo MAGA: "Vamos colocar nossos caras nos contratos. Será uma aquisição hostil do aparelho."

Na época da entrevista não havia sido operacionalizada a troca de Biden por Harris. Ocorrido poucos dias após o estranho atentado contra Trump (ver Declaração LCFI-CC: O Ataque de Trump e a “Guerra Civil” nos EUA). O staff dominante não havia sido, como agora, todo mobilizado para frear a ascensão de Trump a Casa Branca. Hoje o trumpismo se encontra ainda desorientado e carente de reorganização para a enfrentar a campanha eleitoral ou a guerra civil.

A entrevista de Bannon mostra até que ponto o projeto fascista está avançado, independentemente do resultado das eleições que ocorrerão em 5 de novembro de 2024. As tendências para a guerra civil do século XXI se apoiam nas diferenças geopolíticas internas da burguesia imperialista estadunidense entre as táticas de exploração e opressão dos povos oprimidos do planeta e em relação a própria luta de classes. Na estratégia, ambas as frações se apresntam como a que melhor defende a aspiração de impor a humanidade no século XXI a continuidade do domínio do dos EUA sob o sistema imperialista a qualquer custo. Isso se demonstra por exemplo no fato de que, para os democratas, o inimigo principal é a Rússia, para os Republicanos, o inimigo principal é a China.

O que é o neonazismo?

O fenômeno neonazista é 

1) uma consequência superestrutural contrarrevolucionário e anticomunista que se desenvolve sobre a base material de um Ocidente decadente e desindustrializado pelas políticas neoliberais da financeirização; 

2) uma reação do sistema imperialista ao desenvolvimento econômico e militar da China e da Rússia, estados capitalistas deformados pela herança:  da nacionalização dos meios de produção, da planificação econômica e de ditaduras proletárias deformadas. Por caminhos distintos, China e Rússia representam contratendências ao receituário das terapias de choque pinochetistas neoliberais ao mesmo tempo que se aproveitaram da integração mercantil promovida pela globalização para expandir seus negócios de compra e venda de commodities (incluindo os energéticos), manufaturas e militares; 

3) se apresenta como fração mais resoluta do imperialismo para frear a roda da história, não perder o controle do próprio mercado mundial capitalista para a "oficina do mundo" eurásica e seus novos organismos de cooperação multilateral (BRICS, Nova Rota da Seda, Novo Banco de Desenvolvimento, Organização para Cooperação de Xangai) cada vez mais integrada; 

4)  sobre o qual se lança uma política de reconquista, em particular da América Latina, para manter o século XXI dentro do domínio do sistema imperialista criado pelo acordo entre as principais nações imperialistas sob a liderança dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. 

Para derrotar esse onda passageira mas ainda em ascenso e predominante no decadente ocidente, o proletariado precisa compreender suas contradições e desenvolver uma política consequente de frente única antiimperialista, pois o neonazismo é a ponta de lança de um sistema imperialista que resiste a morrer.

 

Notas

1. D.E.I., Diversidade, Equidade e Inclusão é um termo usado para descrever políticas e programas que promovem a representação e a participação de diferentes grupos de indivíduos. DEI abrange pessoas de diferentes idades, raças, etnias, habilidades, deficiências, gêneros, religiões, culturas e orientações sexuais.

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